Do Aperto de Mãos ao Algoritmo: A Cadeia da Justiça na Era da IAG
A base da existência humana são os contratos eles se revelam, em sua essência mais profunda, como uma intrincada rede de acordos tácitos e explícitos, de promessas mutuamente consentidas que edificam a própria estrutura da nossa convivência.
Os contratos, longe de serem meros instrumentos jurídicos, são os fios dourados que tecem a tapeçaria das relações sociais.
Desde o mais singelo aperto de mãos até os complexos pactos comerciais, eles representam a nossa capacidade inata de construir pontes de entendimento, de estabelecer expectativas recíprocas e, em última análise, de confiar uns nos outros.
É nessa confiança, erigida sobre a palavra empenhada e o compromisso assumido, que floresce a civilização.
Nesse contexto, a emergência da inteligência artificial generativa (IAG) e sua aplicação no domínio do direito, como vemos no uso do sistema (IAG) para auxiliar na elaboração de sentenças, nos convida a uma reflexão análoga.
Assim como a teoria da cadeia dos contratos nos permite compreender a intrincada dependência entre acordos para alcançar um objetivo maior, a utilização da IAG em julgamentos também se configura como uma cadeia de processos interligados.
Embora as naturezas dessas “cadeias” sejam distintas – uma ancorada na vontade humana e a outra na lógica algorítmica – ambas compartilham a crucial necessidade de compreensão de suas origens e de seus elos constitutivos para garantir a segurança e a justiça.
Se os contratos são a gênese das relações humanas ordenadas, o conhecimento da gênese da inteligência artificial, de seus dados de treinamento, de seus algoritmos e de seus processos de desenvolvimento, é o que poderá fundamentar a nossa confiança em sua aplicação no campo delicado do direito.
Compreender a “cadeia de origem” da IAG – desde a seleção dos dados que a moldam até a arquitetura que lhe confere capacidade de gerar decisões – é análogo a conhecer a história e a intenção por trás de cada cláusula contratual.
Essa clareza sobre a proveniência e o funcionamento da inteligência artificial é o alicerce sobre o qual a segurança jurídica poderá ser construída.
Sem essa compreensão profunda, corremos o risco de depositar uma fé cega em um oráculo digital, ignorando as possíveis fragilidades e vieses que podem residir em sua própria fundação.
Portanto, o paralelo entre a cadeia dos contratos e a cadeia da inteligência artificial nos lembra que, seja no âmbito das relações interpessoais ou no domínio da tecnologia, a transparência sobre as origens e a clareza sobre os elos de ligação são essenciais para a construção de um mundo mais justo e previsível.
Assim como confiamos nos contratos por entendermos o acordo de vontades que os originou, a segurança jurídica na aplicação da IAG dependerá da nossa capacidade de desvendar e compreender os intrincados caminhos que levam à sua tomada de decisão.
Paralelos entre a Cadeia de Contratos e a Cadeia da Inteligência Artificial Generativa em Julgamentos:
Aspecto da Cadeia de Contratos
Paralelo na Cadeia da Inteligência Artificial Generativa em Julgamentos
Implicações para o Direito
Interdependência: Cada contrato na cadeia depende do cumprimento do anterior para alcançar o objetivo final.
Interdependência: O resultado final da IAG em um julgamento (a sentença) depende da qualidade e precisão de cada etapa do processo da IA.
Um erro ou viés em uma etapa inicial (ex: dados de treinamento enviesados) pode se propagar e afetar a qualidade da sentença final, comprometendo a justiça da decisão.
Fontes/Inputs: Cada contrato se baseia em acordos e informações entre as partes.
Fontes/Inputs: A IAG se baseia em dados de treinamento (legislação, jurisprudência, doutrina, dados factuais), algoritmos e comandos (prompts) dos profissionais do direito.
A qualidade e a imparcialidade dos dados de treinamento são cruciais. Dados históricos que refletem desigualdades sociais ou vieses podem levar a decisões discriminatórias geradas pela IA. A forma como o profissional do direito formula o prompt também influencia o resultado.
Outputs/Outcomes: O objetivo final da cadeia de contratos é a entrega de um bem, serviço ou resultado específico.
Outputs/Outcomes: O objetivo final da cadeia da IAG é a elaboração de uma sentença que seja juridicamente válida, fundamentada e justa.
Aspeças geradas pela IA precisa ser cuidadosamente revisada e validada por um profissional do direito para garantir sua correção e adequação ao caso concreto.
Potencial de Falhas/Breaches: O descumprimento de um contrato em qualquer ponto da cadeia pode afetar os demais.
Potencial de Falhas/Erros: Falhas nos algoritmos da IAG, erros na interpretação de dados, vieses nos dados de treinamento ou comandos inadequados podem levar a sentenças errôneas ou injustas.
É fundamental ter mecanismos de controle e revisão para identificar e corrigir possíveis erros gerados pela IA antes que a sentença seja proferida.
Responsabilidade: A responsabilidade pelo cumprimento de cada contrato recai sobre as partes envolvidas. Em caso de descumprimento, a responsabilidade é geralmente contratual.
Responsabilidade: A questão da responsabilidade em caso de uma sentença gerada por IAG que cause prejuízo é complexa. Quem seria o responsável: o desenvolvedor do sistema, o tribunal que o utiliza, o profissional do direito que o operou?
O marco legal precisa evoluir para definir claramente a responsabilidade em casos de erros ou injustiças decorrentes do uso de IAG em julgamentos. A supervisão humana é essencial para garantir a responsabilização.
Transparência e Explicação: A compreensão da cadeia de contratos requer a análise dos termos de cada contrato individualmente.
Transparência e Explicação: A “caixa preta” de alguns modelos de IAG dificulta a compreensão do processo pelo qual a decisão foi gerada. É crucial que os sistemas utilizados em julgamentos ofereçam um certo grau de transparência e capacidade de explicação (accountability).
A falta de transparência pode dificultar a contestação de uma sentença gerada por IA e minar a confiança no sistema judicial. É necessário que a IA forneça justificativas claras para suas conclusões.
Evolução e Adaptação: As cadeias de contratos podem se adaptar a novas necessidades e condições de mercado.
Evolução e Adaptação: Os sistemas de IAG precisam ser continuamente atualizados, treinados com novos dados e aprimorados para garantir sua precisão e adequação às mudanças na legislação e na jurisprudência.
A atualização constante dos sistemas de IAG é essencial para evitar a obsolescência e garantir que as decisões se baseiem no direito vigente.
Desafios Específicos da IAG em Julgamentos:
Vieses Inconscientes: Mesmo que os dados de treinamento sejam vastos, podem conter vieses implícitos que refletem desigualdades históricas e sociais, levando a decisões discriminatórias.
Substituição da Discricionariedade Judicial: A aplicação da lei muitas vezes envolve interpretação e discricionariedade por parte do juiz, considerando nuances do caso concreto. A IAG pode ter dificuldade em replicar essa capacidade, se tem algo no Direito difícil de ser vivido é a tão propagada imparcialidade.
Ética e Moralidade: Questões éticas e morais complexas podem surgir em julgamentos, exigindo sensibilidade e julgamento humano que a IAG pode não possuir plenamente.
Privacidade e Segurança de Dados: O uso de dados sensíveis em processos judiciais exige rigorosos padrões de privacidade e segurança, que devem ser garantidos pelos sistemas de IAG. Vale a leitura sobre brincar de pique esconde e anonimização de dados.
O paralelo entre a cadeia de contratos e a cadeia da inteligência artificial generativa em julgamentos revela semelhanças importantes em termos de interdependência, fontes de informação, resultados esperados e potencial de falhas.
Assim como em uma cadeia de contratos, onde a qualidade de cada elo é crucial para o sucesso do todo, a aplicação da IAG em julgamentos exige atenção a cada etapa do processo da IA, desde a qualidade dos dados de treinamento até a interpretação e validação do resultado final pelo profissional do direito.
A utilização de sistemas como o IAG nos tribunais brasileiros representa um avanço promissor, mas exige cautela e a implementação de mecanismos robustos de controle, revisão humana e transparência para garantir que a justiça seja efetivamente alcançada e que os direitos das partes sejam preservados.
A discussão sobre a responsabilidade e a necessidade de um marco legal específico para a aplicação da IAG no direito também se tornam cada vez mais urgentes.
Em última análise, a tecnologia deve ser uma ferramenta a serviço da justiça, e não um substituto para o raciocínio crítico e a sensibilidade dos profissionais do direito.
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